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Projeto sobre escravidão desenvolvido em parceria entre UEMG e OAB/MG é tema de seminário realizado em Pitangui
27/09/2017
Assessoria de Comunicação – UEMG Unidade Divinópolis
Madrugada de segunda-feira, 4 de setembro de 2017. Bandidos fortemente armados invadem a tricentenária Pitangui, no Centro-Oeste de Minas Gerais, e explodem os caixas eletrônicos da agência do Banco do Brasil da cidade. Após a fuga dos criminosos, a parte interna do prédio onde funcionava a agência começa a pegar fogo, chamando a atenção da comunidade do município, principalmente porque no terceiro piso do prédio estava instalado o arquivo do Instituto Histórico de Pitangui, responsável pela guarda dos acervos camarista, judicial e eclesiástico daquela que é conhecida, desde o século 18, como a Sétima Vila do Ouro do Estado.
Fotos: Elvis Gomes | Assessoria de Comunicação – UEMG Unidade Divinópolis
Prédio onde funcionava o Instituto Histórico de Pitangui
O incêndio ocorrido no arquivo foi um dos principais temas discutidos durante o 2º Seminário do Direito Constitucional à Igualdade e Dignidade Étnico Racial, realizado no dia 22 de setembro, no auditório da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Pitangui. O evento foi promovido em parceria entre a Ordem dos Advogados do Brasil Seção Minas Gerais (OAB/MG) e a 84ª Subseção da OAB/MG Pitangui/Martinho Campos com a Escola Superior de Advocacia (ESA), a Sociedade Filhos Tricentenários de Pitangui e as comissões de Promoção da Igualdade Racial e Estadual da Verdade sobre o Trabalho Escravo.
Antes do incêndio, um dos objetivos do seminário era, de acordo com a advogada Judith Viégas, tesoureira do Instituto, mostrar para a OAB/MG que várias pesquisas sobre a escravidão negra poderiam ser realizadas no acervo, que possui uma vasta documentação dos séculos 18 e 19, entre os quais livros cartoriais de transcrição de escravos dados como pagamento de dívidas. “Este seminário é a coisa mais importante que podia acontecer neste momento de quase perda de um patrimônio histórico documental brasileiro e mineiro, principalmente para o Centro-Oeste de Minas, do qual há uma vasta documentação de 42 cidades filhas de Pitangui”, ressaltou Judith, que também é presidente da Sociedade Filhos Tricentenários de Pitangui.
Mesa de abertura do seminário
De acordo com ela, o incêndio destruiu alguns livros raros da biblioteca do acervo, mas, graças à ajuda de voluntários, os documentos do arquivo foram salvos e transferidos para a nova sede do Instituto, instalada na rua Visconde do Rio Branco. “Agora nós precisamos, mais do que nunca, do apoio de pesquisadores e da UEMG, principalmente para realizarmos outra higienização dos documentos, que foram expostos ao carbono depois da explosão. Também vamos precisar trabalhar na digitalização do arquivo”, comentou Judith.
O trabalho de higienização, organização e catalogação do arquivo foi realizado pela UEMG Unidade Divinópolis, por meio do Centro de Memória Professora Batistina Corgozinho (Cemud), a partir de um convênio assinado em 2004 entre a Fundação Educacional de Divinópolis (FUNEDI) e a Prefeitura de Pitangui. O trabalho, finalizado em 2016, foi desenvolvido, principalmente, por professores e estudantes do curso de História da Unidade.
Parceria
Outro tema abordado pelo seminário foi o acordo de cooperação técnica assinado no último dia 17 de agosto pelo reitor da UEMG, professor Dijon Moraes Júnior, e pelo presidente da OAB/MG, Antônio Fabrício Gonçalves de Matos, com o objetivo de fomentar a pesquisa sobre a escravidão negra no Brasil no período anterior à abolição formal do regime escravista no país.
A parceria entre as duas instituições foi iniciada há cerca de dois anos, quando um grupo de profissionais da Universidade realizou um diagnóstico sobre o período da escravatura no Estado para a Comissão da Verdade da Escravidão Negra e de Combate ao Trabalho Escravo no Brasil, criada pela OAB/MG com o objetivo de realizar um resgate da memória histórica da escravidão para subsidiar políticas públicas.
Uma das articuladoras do acordo foi a professora Beatriz Bento de Souza, vice-diretora acadêmica da UEMG Unidade Leopoldina, integrante da Comissão e autora do projeto “Escravidão, cidadania e identidade”, elaborado em parceria com o professor Jorge Luiz Prata de Sousa, que lecionou na Unidade e hoje trabalha na Universidade Salgado de Oliveira (Universo), em Niterói (RJ). “O projeto foi objeto da elaboração do acordo, já que a Comissão precisava viabilizar, de forma prática, por meio da pesquisa, o resgate desta memória”, ressaltou a professora, que realizou, durante o seminário, uma palestra sobre a metodologia desenvolvida pela Comissão e a interação com as instituições de ensino.
A professora Beatriz Bento de Souza durante palestra no seminário
O acordo possibilitará, segundo Beatriz, o desenvolvimento de pesquisas, por parte de professores das Unidades da UEMG que se interessarem pelo tema, dentro dos nove eixos temáticos do projeto: Levantamento e mapeamento dos acervos de natureza jurídica: processos civis e criminais das comarcas do Estado de Minas Gerais; Cultura afro-brasileira: história e memória – da escravidão à contemporaneidade; Comunidades quilombolas e territórios de religiosidades afro-brasileiras; Crimes, marcas e vestígios da escravidão de pessoas negras no Brasil; História e memória da mulher negra em Minas Gerais: da escravidão ao momento atual; Trabalho escravo contemporâneo no Brasil; Educação e políticas afirmativas; Justiça e reparação; e Saúde, sanitarismo e etnicidade. “As pesquisas levantadas pelo projeto deverão produzir diversos eventos, como seminários e palestras, e publicações, entre as quais artigos e livros didáticos e paradidáticos”, enfatizou a professora.
A professora comentou, ainda, sobre a importância do projeto para o resgate da memória da escravidão negra no Estado. “Nosso objetivo é pesquisar e resgatar a memória da escravidão para contarmos a história real e não reproduzirmos a história que é contada nos livros – com raríssimas exceções, já que existem trabalhos críticos sobre o tema –, que veiculam, em sua maioria, o discurso politicamente correto e socialmente construído pelo colonizador. Esta é uma história escamoteadora, e nós queremos justamente desconstruir tudo isso para contar a história real, da qual o negro é protagonista, e contribuir para que crianças e jovens negros possam crescer aprendendo a história verdadeira sobre a realidade deles e para que os brancos também possam entender qual é a nossa verdadeira história”, completou Beatriz.
Memória
O vice-reitor da UEMG, professor José Eustáquio de Brito, também realizou uma palestra durante o seminário a respeito das pesquisas sobre a escravidão negra em Minas Gerais desenvolvidas pela Universidade e ressaltou a importância da parceria com a OAB/MG. “Este acordo abre, na verdade, perspectivas para que a Universidade mobilize professores e centros de pesquisas das nossas Unidades para lidar com a temática da escravidão negra em Minas Gerais, que interessa não só à Universidade, mas também à OAB/MG. Esta proposta contribui para que a Universidade possa estruturar um trabalho a médio e longo prazo em torno de uma memória que a gente precisa conhecer um pouco mais”, enfatizou.
O vice-reitor da UEMG durante palestra realizada no seminário
O vice-reitor salientou que o projeto terá a duração de um ano, mas poderá ser renovado, dependendo do trabalho que será desenvolvido pelos pesquisadores. “A ideia é que cada Unidade tenha referências de professores e estudantes capazes de se vincular ao projeto e oferecer a sua contribuição para pensá-lo não apenas em um ano, mas a médio prazo também”, complementou.
Outro ponto destacado pelo vice-reitor é a importância da UEMG Divinópolis para a região Centro-Oeste de Minas. “Ao participar das palestras do seminário e caminhar pela cidade, nós percebemos a importância que tem a presença da Unidade Divinópolis em Pitangui. Isso nos deixa muito orgulhosos desta missão institucional da Universidade, que é a de proporcionar o acesso ao conhecimento e o cuidado com relação à memória histórica de cada uma das regiões em que a UEMG se faz presente”, finalizou.
Abertura
Um dos destaques do seminário foi a fanfarra da Escola Estadual Coronel Antônio Corrêa, de Leandro Ferreira
O seminário foi iniciado com uma visita ao túmulo do padre abolicionista Belchior Pinheiro Oliveira (1755-1856). Logo depois, ocorreram apresentações da fanfarra da Escola Estadual Coronel Antônio Corrêa, de Leandro Ferreira; de Edson Epifânio, da Irmandade Nossa Senhora do Rosário, de Carmo do Cajuru; e do psicólogo, consultor empresarial e instrutor de caratê Wagemann Teixeira Matias, ex-coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UEMG (NEAB).
Apresentação de Edson Epifânio, da Irmandade Nossa Senhora do Rosário, de Carmo do Cajuru
A mesa de abertura do evento contou com a participação, entre outros, do vice-prefeito de Pitangui, Alexandre Maciel de Barros, e da educadora Maria Antônia Cesário Evaristo, de São Gonçalo do Pará. Além de pesquisadores e autoridades de várias cidades da região Centro-Oeste de Minas, participaram do seminário estudantes do Ensino Fundamental e Médio de escolas públicas de Pitangui.
Outras palestras
A programação do seminário contou, também, com outras palestras. No período da manhã, o advogado e historiador Tarcísio José Martins, da Comissão da Verdade da OAB Federal, falou sobre a questão jurídica e judicial da escravidão e sua legislação na Colônia, no Império e na República e a importância do Instituto Histórico de Pitangui para os pesquisadores dos séculos 18 e 19 e historiadores brasileiros. Já o presidente da Comissão Estadual da Verdade sobre a Escravidão Negra no Brasil, Daniel Dias Moura, enfocou o tema principal do seminário, 'A verdade da escravidão negra como instrumento de reparação e políticas públicas'.
O seminário contou com a participação de diversos palestrantes
Já no período da tarde, ocorreram três palestras. A índia Avelin Buniacá falou sobre a destruição das aldeias indígenas e a violência racista contra os índios brasileiros nas cidades. O presidente da Comissão da Igualdade Racial da OAB/MG, Gilberto Silva Pereira, abordou a temática 'Ações afirmativas na desconstrução do racismo – Reparação e igualdade'. Por fim, a professora Adelan Maria Brandão, que trabalhou durante vários anos no arquivo, ministrou uma palestra sobre a riqueza cultural do Instituto Histórico de Pitangui.
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DIVINÓPOLIS
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