Páginas da negritude
12/11/2015
Nascida e criada numa favela de Belo Horizonte, a escritora Maria da Conceição Evaristo Brito, de 69 anos, já foi babá, faxineira e vendedora de revistas antes de graduar-se em Português-Literatura pela UFRJ. Também fez mestrado em Literatura Brasileira pela PUC-RJ e conquistou o doutorado em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense. Agora, ao seu currículo, ela pode incluir a indicação ao Vestibular 2016 da UEMG – seu livro ‘Olhos d’água’ foi uma das obras definidas para a leitura dos estudantes no concurso.
No evento ‘Encontro com a autora’, promovido pela UEMG no último dia 04 , no auditório da Associação Médica de Minas Gerais, em Belo Horizonte, para colocar o público em contato com Conceição Evaristo, ela pôde apresentar ao público detalhes de sua relação com a literatura (assista aqui à gravação do evento).
Basilar, para a autora, é o compromisso com a realidade mesmo escrevendo ficção. O que os pesquisadores nomeiam na literatura dela como escrevivência: “Trata-se de uma escrita que nasce de uma vivência, a qual não precisa ser necessariamente a minha particular. Pode ser de algum conhecido, da comunidade”, explica a escritora. Ainda em suas primeiras falas, ela aproveitou para afirmar o lugar a partir do qual escreve: “Tudo o que eu produzo é muito marcado pela minha condição de mulher negra na sociedade brasileira”.
Prosseguindo com essa visão engajada da escrita, Conceição defende a literatura como arma poderosa para despertar mudanças de percepção: “Ninguém chora diante de um dicionário mesmo com todas as suas explicações... Agora, se você pega um romance, o seu tipo de relação e sentimento com as palavras é outro. Então, a literatura oferece essa oportunidade de provocar mudanças porque ela te ganha pela emoção”.
Segundo a escritora, as letras representariam um campo estratégico para a afirmação da poética e do lirismo do povo afrodescendente: “Um dos exercícios dessa literatura produzida por negros e negras é extravasar a questão humana porque, ainda como consequência do processo histórico da escravidão, as pessoas negras até hoje são vistas apenas como corpos. É como se os negros não tivessem sentimentos, dramas existenciais, as nossas perguntas diante da vida. Então, essa literatura produzida de dentro nos coloca essa humanidade que os outros textos, mesmo alguns bons da nossa literatura brasileira, muitas vezes nos roubam”.
Questionada pela plateia sobre a questão do preconceito, Conceição Evaristo exemplificou o tema citando o reconhecimento desigual dos elementos de diferentes origens étnicas no arranjo cultural mestiço em nosso país: “Quando a gente pensa em cultura brasileira, a gente pensa em mestiçagem. Agora, a pergunta que fica é: se nossa cultura é mestiça, se essa mistura se deu na música, na religião, em vários aspectos da vida, porque determinados elementos dessa mestiçagem são mais valorizados do que outros... Se as religiões são sincréticas, por exemplo, porque há facilidade em falar que se é católico ou evangélico, mas ainda causa estranhamento colocar-se como umbandista?”.
Para além da denúncia, a escritora aponta a valorização da cultura oprimida como estratégia positiva para a superação do preconceito. E explicou sua visão a partir do caso da educação infantil: “Eu não vejo necessidade de pegar crianças muito pequenas e falar de racismo. Faça o contrário, apresente a essas crianças histórias que trabalham a autoestima. Porque o racismo é uma experiência que muitas vezes eles já conhecem, embora não saibam verbalizar... Aproveitando que hoje já existem muitos textos em que a identidade negra é bem desenhada, dar isso para as crianças já é um grande passo. Até porque, na medida em que eles crescerem com essa autoestima bem constituída, vão saber se posicionar muito melhor. Então, em vez de falar só da dor, essa positividade pode ser trabalhada também”.
Evaristo Conceição encerrou sua apresentação focando outra forma de segregação, que confina a literatura como prática de poucos: “Quero pensar a literatura e a leitura como um exercício possível pra todos. Assim como temos direito à alimentação, à casa, à saúde, acho que essa possiblidade da escrita e da cultura não pode estar confinada a determinadas classes sociais. É de todos!... Sei que há escritor incubado por aí; pratiquem também esse exercício de coragem”.
ASSESSORIA DE COMUNICACAO SOCIAL
|